segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Alguém que eu amo nunca nasceu parte I

No dia 02/02/14 descobri meu primeiro aborto retido... no dia 14/07/14 descobri o segundo...

Engravidei a primeira vez em Novembro de 2013. Em Janeiro de 2014 ouvi o coraçãozinho do meu filho pela primeira e única vez... pois na mesma semana aquele coraçãozinho parou. Eu não sabia e só fui descobrir algumas semanas depois quando precisei ir ao hospital de madrugada com umas cólicas que não me deixavam dormir. E lá eu descobri que estava com um aborto retido. Eu já tinha percebido que os sintomas todos haviam sumido, mas como era minha primeira vez, acreditei que os sintomas estavam apenas mudando.
Meu médico sugeriu que deixássemos sair sozinho, sem fazer curetagem porque diminuiriam quaisquer riscos de uma intervenção cirúrgica (porque a curetagem é uma intervenção cirúrgica). Ele me avisou que demorariam algumas semanas e foi me acompanhando através de consultas e exames. Disse que quando estivesse com sangramento similar ao segundo dia do fluxo menstrual, que eu fosse para o hospital que ele faria a limpeza final e tentaria coletar o feto para levar para análise. Mas o processo demorou apenas uma semana pois eu já estava com aborto retido há 4 semanas (meu bebê tinha apenas 7 semanas quando o coração parou e em tese eu acreditava estar gestante de 11 semanas) então seria natural que saísse em pouco tempo. As cólicas aumentaram e o sangramento aumentou... quando me dei conta, estava começando a ter uma hemorragia. Nunca passei tão mal nem senti tanta dor como naquele dia. Minha sorte é que meu marido estava de férias do trabalho e pôde correr comigo para o hospital. Quando cheguei ao hospital me levaram direto para o centro cirúrgico e meu médico já estava lá esperando por mim. Acho que foi tudo rápido... quando acordei da anestesia estava sem dor, com pouquíssimo sangramento mas com um vazio que não sei explicar. Por dois meses eu me senti a mulher mais feliz do mundo... e de uma hora para outra eu era apenas um profundo vazio...

Dois meses depois do primeiro aborto, após vários exames e constatando que estava tudo bem, meu médico me liberou para engravidar novamente. Não fizemos nenhum exame específico pois como meu GO disse, é muito comum a primeiras gestação acabarem em aborto. Fizemos ultrasson, colposcopia, exames de sangue básicos e anátomo patológico do material colhido do aborto.

Pois não é que em maio/14 eu estava grávida novamente?

Não preciso comentar qual foi minha felicidade, porque creio que a maioria das mulheres que já foi mãe um dia (sim, porque nós sofremos aborto, mas nós fomos mãe.) sabe a felicidade que é ver o resultado do exame e saber que está grávida.

Nessa segunda gestação as coisas já começaram estranhas... Quando fui fazer o primeiro ultrasson, com 6 semanas, a médica não conseguiu ver nada... nem feto, nem saco gestacional, nada... me aconselhou a fazer outro Beta HCG e confirmar se eu estava realmente gestante... Saí de lá arrasada mas fui direto fazer outro Beta HCG que dois dias depois confirmou que eu estava sim gestante e inclusive estava com valores superiores ao primeiro exame. Fui no meu GO, que me mandou direto para o Pronto Atendimento do hospital e me preparou para que eu pudesse estar com uma possível gestação nas trompas e que se isso se confirmasse eu teria que tirar... A apreensão tomou conta de mim e do meu marido e lá fomos nós para o hospital. Fizemos um terceiro Beta HCG e um novo ultrasson... e lá estava o coração do meu bebê batendo forte.

O tempo foi passando, fiz os exames iniciais e estava tudo correndo bem... eu não queria viver preocupada ou com medo, mas no fundo eu achava que algo não estava bem... por mais que eu sentisse o corpo mudar, os sintomas tinham quase todos desaparecido... Voltei no médico no dia 14/07 e comentei com ele que havia algo estranho, mas ele me tranquilizou e voltei para casa. Nesse mesmo dia comecei a ter um sangramento e fui para o hospital. E eis que descubro novamente que estou com um aborto retido de 6 semanas, quando eu acreditava estar para completar a 12a. semana... Os poucos sintomas que eu ainda tinha eram em função do saco gestacional que continuou crescendo enquanto o feto não.
Dessa segunda vez optei por fazer a curetagem... eu não tinha condições físicas nem psicológicas para passar por tudo aquilo de novo... e meu marido não estava de férias então eu não teria com quem contar se precisasse correr para o hospital durante o dia... não daria tempo do meu marido chegar em casa e irmos para o hospital... A curetagem foi agendada, passei duas noites no hospital e voltei para casa me sentindo muito pior do que já posso ter me sentido algum dia na minha vida. A tristeza, a dor, o vazio são simplesmente inexplicáveis.

Mas eu queria ajuda... eu busquei ajuda... eu precisava de alguém que entendesse a minha perda, que não viesse cheio de frases feitas me dizendo que a vida era assim mesmo, que Deus escolhe o momento certo para nós, que eu poderia conseguir novamente, que eu sou jovem, que aborto espontâneo é comum, que podia ter algo errado com o bebê... e milhares de outras coisas que ouvi de pessoas que não tem a menor ideia do que é sofrer um aborto. Sim, eu sei que as pessoas querem ajudar e no fundo não tem muita ideia do que dizer... mas nesse caso é melhor não dizer nada...
E eu não encontrei ajuda diretamente. Não encontrei um só grupo de mulheres (no Brasil) que tratam o aborto com empatia, que reconhecem a dor e a perda que nós temos, que nos reconheçam como mães de bebês que não nasceram.
Por isso decidi criar esse blog. Sou Psicóloga mas meu objetivo aqui não é divulgar meu trabalho, até porque não sou especializada em luto e perdas... mas como mulher e mãe sei como é sofrer as perdas...
Como dizem que nada que nos acontece é por acaso, escolhi tornar as minhas perdas e a minha dor em algo que possa ser útil para outras mães que como eu passaram por isso. Para que elas saibam que apesar de ser um tabu, o aborto espontâneo é algo que pode sim ser conversado e sentido em toda sua dor, porque só assim ela pode passar... Enquanto guardarmos todo esse sentimento em nosso coração, a dor será unicamente nossa e nem sempre estamos preparadas para passar por isso sozinhas... Nossos maridos também sofrem, mas eles sofrem de forma diferente e nem sempre sabem lidar com a dor deles nem com a nossa...

Sim, eu tive ajuda e tenho profunda gratidão pelos encontros que a vida me proporcionou. Fui acolhida pelas pessoas do meu grupo de estudos, encontrei uma psicóloga com quem tive grande identificação, participei de um seminário biográfico que me ajudou a fazer novas escolhas para minha vida e decidi doar o amor que estava no meu coração do que deixar um sentimento tão bonito guardado a espera de alguém que ainda não veio. Eu amei e amo meus dois filhos como nunca amei ninguém na minha vida. Eles não nasceram, mas eles viveram em mim e sentiram todo esse amor...

Agora, como foi considerado aborto de repetição, estou me aconselhando com um geneticista e realizando uma série de exames para identificar onde está o problema. Em próximos posts falarei dos exames que estou realizando e de como consegui superar a depressão que queria tomar conta de mim, fazendo novas escolhas para minha vida.

Para todas as mães que amaram mas não viram seus bebês nascerem, todo o meu carinho e amor...

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